O QUE SERIA DA VIDA SE NÃO FOSSEM OS ENCONTROS?
Eu tenho vários quadros na minha casa. São diversas vidas de uma Patchi só, por assim dizer. Uma coleção de instantes que, em sintonia com o universo, surgiram na minha frente e tive o privilégio de registrar. Um deles fica entre minha sala e minha cozinha. É um pequeno fruto de uma das minhas expedições pelo Atacama. Certamente tá longe de ser minha foto mais impactante, mas o que importa pra mim é o que ela me transmite. Passo ali todos os dias e me encontro com os olhares curiosos de um par de guanacos. Eles me fazem lembrar da curiosidade que carrego no meu próprio olhar e onde ela é capaz de me levar.
Lembro de cada pessoa que estava comigo. Lembro do volume das risadas daqueles novos/velhos amigos e das conversas profundas que surgiam de uma hora pra outra. Lembro do berro que eu dei pedindo pra parar o carro, e mais ainda do momento que eles viraram as cabecinhas simetricamente, como se estivessem posando pra mim. O melhor daquela foto é que eu tenho certeza que não sou só eu que lembro daquele momento.
Afinal, as melhores lembranças são aquelas que compartilhamos, né?!
A fotografia me transporta pra tantos momentos que parecem difíceis de caber em uma vida só. E eu acho que na verdade somos todos meio assim: vivemos muitas vidas em uma só. No meu caso, em comum entre todos os “eus” que já fui, existe sempre o desejo de expandir e compartilhar minha visão de mundo. Ora pela fotografia, ora pelas palavras, ou pelas experiências que reverberam muito além do que posso mensurar. Como tudo na vida, um olhar exige tempo, conexão, sensibilidade, dedicação, persistência e muito foco. Embora eu tenha vivido no deserto por tanto tempo e de tantas formas, meu olhar é sempre diferente a cada viagem. Ou des-viagem, como eu prefiro chamar.
Na última carta, eu falei muito sobre essa coragem que precisamos ter. Um coração de leão pra abraçar quem somos de verdade e continuar buscando aquilo que nos faz sentir vivos. Meter a cara confiando em si mesmo dá muito medo, e não sei se já existiu algum momento de todos esses anos viajando em que não senti esse friozinho na barriga. Sempre que monto um novo grupo de expedição, exploro novas ideias e faço tudo sair do papel pra realizar meus sonhos, eu também realizo o sonho de muita gente que acredita que sair da zona de conforto é o melhor caminho para se conhecer. Medo e coragem parecem andar juntos quando tomamos grandes decisões na vida, não é verdade?
Li em algum lugar uma frase que dizia que a vida está do outro lado do medo, e acho que faz sentido. Quando estou sob o céu estrelado do deserto ou sinto a força do vento no cume de uma montanha, reconheço toda minha insignificância ao mesmo tempo que sinto a grandiosidade e o mistério do que jamais saberei. Aprender a apreciar a solitude mesmo cercada por desconhecidos é um tanto parecido com o que fazemos diariamente na nossa rotina, mas falhamos miseravelmente.
É curioso como uma viagem pode tornar nossos maiores desafios em algo tão mágico, né?!
Talvez porque nos faça lembrar que grandes amigos um dia já foram meros estranhos que compartilharam belos momentos juntos. Todas as grandes histórias começam assim.
Voltando para os guanacos, que me encaram toda vez que passo pela cozinha, entendo que os melhores encontros da vida não são planejados.
Eles simplesmente acontecem. Mas é preciso estar aberta e preparada para quando a sorte passar. Você sente que está?