E SE EU TIVESSE CORAGEM?
A origem da coragem é agir com o coração.
Vender é a parte chata que ninguém gosta. Eu não gosto de vender. Aposto que na era que estamos vivendo, quase todo mundo que está lendo isso já deve ter se deparado com o momento que precisa vender. E aí, tudo trava. Os que nunca experimentaram essa sensação provavelmente é porque sabem que simplesmente não nasceram pra isso e nunca sequer tentaram. Mas ainda assim, sempre tem aquela voz interna que se pergunta: E SE EU TIVESSE CORAGEM?
Esses dias uma leitora me escreveu dizendo que todo mundo se identifica em algum nível quando eu jogo esse assunto na roda e o transformo em sentimento.
Medo, insegurança, vergonha, instabilidade, perfeccionismo, incerteza. Passa de tudo no momento que temos que oferecer algo para as pessoas. Me lembro das minhas primeiras aventuras com uns 20 e poucos anos pegando carona por mais de 3 mil km sem carregar nenhum tipo de dinheiro ou cartão. A única coisa que eu tinha era um bolo de cartões postais com minhas fotos de viagens (ainda muito amadoras) e um plano: chegar em Ushuaia, na Patagônia.
Eu amo quão amadora eu era: aquela que ama o que faz.
Isso explica muita coisa. Lembro até hoje da sensação de entrar no restaurante de um posto de gasolina em alguma estrada entre Paraná e Rio Grande do Sul.
A primeira coisa que pensei foi que diabos eu tava fazendo, e a segunda foi que ainda dava tempo de desistir e voltar atrás. Era o primeiro dia da viagem, minha carona tinha parado para abastecer e eu estava faminta. A única opção pra comer alguma coisa era a ideia imbecil que tinha me levado até ali: vender os benditos cartões postais. O restaurante estava lotado e eu morta de vergonha. Meu coração saia pela boca. Eu ensaiava falas feito criança que precisa apresentar o trabalho pra turma. Tentei com uma família que não me deu muita bola, me senti intimidada e decidi tentar o caminho mais fácil: fui direto no balcão oferecer para o atendente em troca de um pão de queijo. O moço foi com a minha cara. Deu certo, ufa!
A partir daquele pão de queijo eu percebi que eu tinha que vender a minha história.
E que não seria nada fácil, mas eu fiz. Abracei com vigor todas as oportunidades.
Parei a fila da alfândega oferecendo cartões. Vendi até pro senhor da polícia aduaneira, que ainda me deu uma carona para cruzar até a Argentina. Desci do caminhão no bloqueio de carros da estrada para vender para os carros parados. Troquei fotos por um pão de queijo, uma empanada, um prato de almoço, um jantar, uma noite de hospedagem, um equipamento de camping, uma compra no mercado, mas principalmente por sorrisos.
E por tantas pessoas que também sabiam agir com o coração.
É preciso coragem para falar com estranhos, se permitir avançar no desconhecido, mergulhar em algo que te transforma, te arranca da zona de conforto e te vira do avesso. Quiçá o mais difícil fosse saber que eu era a única responsável por ter me colocado ali. Eu dependia 100% da minha própria intuição pra fazer as coisas acontecerem. E eu carrego esse aprendizado comigo em tudo que eu faço, pra sempre.
Essa é a única certeza que eu tenho até hoje. Se não vier do coração, eu não devo agir. Eu cheguei em Ushuaia. E embora aquela fosse a cidade mais austral do planeta, aquele conhecido “fim do mundo” foi só o começo. Eu cheguei muito mais longe.
Muitos anos se passaram e as coisas mudaram muito por aqui, mas às vezes ainda me sinto como se estivesse vendendo aquele primeiro cartão postal. Passa um verdadeiro filme na cabeça quando penso em como fui cocriando tudo que eu faço hoje. Afinal, tudo que eu vendo faz parte de quem eu sou.
Entre a nostalgia dessa nuvem de lembranças e a minha próxima temporada de expedições pro Atacama existe um grande salto de distância. O ponto comum é a coragem sempre me move. Perrengue hoje, só se for dos bons. A gente muda o tempo todo, e ainda bem, né?! Mas tudo são capítulos de uma mesma história. No fundo, tudo que eu sempre quis foi mostrar o mundo com os meus olhos.
E por mais difícil que seja vir aqui vender e fazer com que minha próxima des.viagem encontre as pessoas certas, eu também sei todo entorno que se movimenta quando alguém diz sim.